sábado, 12 de abril de 2014

A Casa do Luto

Eclesiastes. Este livro da Bíblia preenche um lugar de verdade para quem experimenta momentos de deserto. O sábio vê tudo e chega sempre à conclusão de que tudo é vaidade. Observando a “casa do luto”, o sábio diz que ali há mais sabedoria do que na casa em que há festa porque, neste lugar, todos ponderam sobre a vida.
Quando minha prima passou oito anos de cama, conheci, pela primeira vez, a sabedoria que há na “casa do luto”. Seu pequeno quarto no apartamento em Niterói era o local onde sempre me sentava ao seu lado, tomando café e conversando sobre as coisas da vida. Às vezes, chorávamos juntas por qualquer coisa. Falávamos sobre as histórias da família, comentávamos sobre coisas que tínhamos visto e assistíamos TV. Gostávamos de ver aqueles programas sobre pessoas pobres que ganhavam passagem pra voltar pra casa e rever a família. Fazíamos isso de propósito, porque gostávamos de competir pra ver quem ia aguentar mais tempo sem chorar. Na maioria das vezes, aquele quarto era palco de muitas risadas ou conversas sérias sobre a razão do sofrimento, os graves abalos da fé e o consolo de Deus.
Minha prima se recuperou e hoje vivemos em cidades distantes. Tenho hoje uma amiga que está de cama por causa de um joelho quebrado. Frequentemente, vou à sua casa e fico no quarto conversando com ela. Foi em uma dessas visitas que me surpreendi com a semelhança entre as situações. O quarto cheio de enfeites, colares pendurados, coisinhas em miniatura, detalhes coloridos como os do quarto de minha prima. Parecia que o cenário tinha sido montado de mesma forma, pela mesma pessoa. De repente, me vi sentada ao lado da cama filosofando, rindo e chorando outra vez.
Conversamos sobre a questão do sofrimento e como ele parece ser aleatório. Alguém questionou o motivo pelo qual uma pessoa que não está fazendo mal a ninguém passa por momentos tão dolorosos, enquanto outros que existem absolutamente para ferrar a vida alheia, às vezes morrem de velhos, em suas casas luxuosas, rodeados pelo fruto confortável do que roubaram do pobre. Sempre parece muito injusto que o sofrimento venha para quem é ético, bom, de boa conduta. Eclesiastes volta à cena.
Ficamos imaginando que se as contas fechassem, isto é, se quem faz errado recebesse a paga instantaneamente e se quem faz certo ficasse imune ao sofrimento, nosso livre arbítrio poderia sofrer uma quebra fatal. Ninguém mais escolheria fazer as coisas por querer mesmo fazê-las e sim porque haveria a recompensa ou o castigo para reforçar o comportamento. Seríamos como cobaias na gaiola acionando o botão correto para receber alimento.
De repente, fiquei imaginando que estamos todos sentados à mesa de carteado. Alguém embaralhou e está distribuindo as cartas aleatoriamente. Recebemos aquela mão de cartas. Não tivemos nenhuma escolha. Algumas vezes, as cartas são excelentes e já começamos o jogo acreditando que vamos bater bem rápido. Outras vezes, recebemos cartas que nos desanimam e nos fazem achar impossível ganhar o jogo. Mas o jogo não acaba quando recebemos as cartas. Ele só está começando. O que fazemos com as cartas, o que compramos da mesa, as associações que somos capazes de formar, isso tudo é que vai nos fazer prosseguir e até ganhar o jogo, mesmo com cartas não muito favoráveis, ou vai nos fazer perder o jogo, mesmo com as grandes possibilidades que tínhamos no início.

Minha prima e minha amiga de joelho quebrado receberam cartas bem ruins. Estive com elas neste lugar onde há sofrimento, ou seja, na “casa do luto”. Sentada ao lado de suas camas, em momentos diferentes de minha vida, joguei com elas o baralho das ideias e sentimentos sobre a existência humana e vi que elas estavam fazendo um jogo muito bom, com grande possibilidade de bater com canastra real. 

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